PADRE ARISTIDES
Segundo o saudoso Padre
Manuel Otaviano, um dos historiadores mais respeitado da Paraíba, o sacerdote assassinado em
fevereiro de 1926 constituiu um grande mártir da legalidade que jamais deixara
de ser lembrado pela coragem e determinação. Os episódios dormiram no esquecimento
para satisfazer conveniências regionais, mas acabaram por despertar e eternizar-se na trajetória do passado, referências do presente e, certamente, nos tempos futuro de Piancó.
Aristides Ferreira da
Cruz nasceu na fazenda Lagoa, município de Pombal, em 18 de junho de 1872. Filho dos agricultores Jorge Ferreira da Cruz e
Joana Ferreira Chaves, ainda garoto espelhou-se na religiosidade dos pais para
o despertar da vocação que abraçaria maias tarde. Teve como primeiro mestre o professor Antonio Gomes de Arruda Barreto e
residiu por vários anos no município de Catolé do Rocha, antes de ingressar no Seminário do Crato. Sua ordenação data de 01
de novembro de 1901, a qual ocorreu na capital paraibana, na instancia religiosa onde lecionou.
Chegou a assumir o vicariato em uma pequena cidade do Rio Grande do Norte , mas,
em pouco tempo, passou a condição de auxiliar do primeiro Bispo da Paraíba, Dom Adauto.
Por ocasião da primeira
visita do Pastor Diocesano ao interior do Estado, registrou-se também, o contato inicial de Padre Aristides com Piancó, momento
em que jamais imaginaria que naquele palco seria político dominante por vários anos e encerraria, de forma trágica, a sua
permanência na terra.
O Padre da época, Abdon
Melibeu Lima, aproveitando a presença do seu superior na pequena Vila de Santo Antonio, pediu transferência para uma outra
freguesia, no que foi prontamente atendido por Dom Adauto, que por conta de solicitação
do líder maior da localidade, Dr. Felizardo Leite, designou de pronto o jovem sacerdote pombalense, como coordenador religioso da referida comunidade. Vale salientar
que os dias da visita pastoral foram suficientes para que a população identificasse os dotes do Padre Aristides: maneiroso,
vivo e diligente, afeito ao povo sertanejo e aos seus interesses, o que provocou uma enorme simpatia. O novo dirigente paroquial
assumiu em agosto de 1902.
Na primeira década de
atuação o Padre Aristides foi um modelo de dinamismo, dentro de todos os preceitos da responsabilidade e dedicação. Percorria
várias léguas a cavalo para atender aos doentes e com muita propriedade, divulgava
o evangelho em todos os espaços ocupados, não se restringindo apenas aos sermões da igreja. Reconstruiu o patrimônio da freguesia
recuperando os templos existentes e erguendo outras capelas. Viveu em paz com toda sua gente enquanto a política não entrou
nas veias como opção irreversível.
No vale do Piancó o chefe
político de influencia absoluta, descendia da família que comandava o poder há mais de duzentos anos . O deputado Federal Felizardo Leite, residente no Rio de Janeiro e acompanhava tudo que acontecia
em sua região de origem, através de um grupo local que o mantinha informado sobre todos os acontecimentos e medidas necessárias. Amigos do referido líder começaram a divergir do idealismo, consciência e
coragem, levado s a feito no dia a dia do Padre que já apresentava discordância com relação aos métodos utilizados na condução
da coisa pública. A antipatia entre as partes crescia assustadoramente e em 1913 aconteceu o temido mas, já previsto rompimento,
precisamente durante uma visita feita pelo religioso ao parlamentar, o qual lhe recebera com grosserias. Estava então desencadeada
a mais tenebrosa de todas as disputas políticas, imprevisível em todos os aspectos, inclusive com tiroteios serrados, denuncias
de assassinatos, fatos pitorescos e acuações levianas.
O sacerdote era detentor
de um grande prestigio popular e o seu dinamismo assustava os integrantes da situação. Sabiam eles que vence-los em guerra
limpa, com as mesmas armas, era praticamente impossível. No entanto, mantendo uma tradição da
política, a mentira não foi poupada e atingir a imagem daquele que obstaculava o caminho, passava a ser o principal
objetivo. Lançaram, então, para a opinião pública, suspeita de que o Padre Aristides estaria mantendo atitude inconfessáveis
com uma moça que cantava no coro da igreja, com visitas continuas ao seu ambiente familiar, consolidando um aliciamento amoroso.
Os ataques a sua honorabilidade se repetiam, o que acabou provocando o seu afastamento,
também, a pedido do deputado Felizardo Leite que se deslocou da Capital Carioca até João Pessoa, para uma reunião com Dom
Adauto, oportunidade em que teve o pleito atendido.
Com a suspensão das ordens
religiosas, primeiro golpe desferido contra o poderio do sacerdote, os trabalhos paroquiais passaram a exercício de outro
vigário, no entanto, o Padre Aristides não abandonou a luta e sequenciou as visitas que sempre fazia as famílias piancoenses, aumentando os seus adeptos e, também,
o ódio do grupo opositor. O estilo reprovável, contido no desrespeito moral, nas picuinhas
e nas iras venenosas, se multiplicava, abalando o clã das famílias
do Vale. Todas as investidas contra o fervoroso missionário e político, continuavam a representar verdadeiro suicídio.
As denúncias a Dom Adauto
voltaram a ser freqüentes e o que antes era suspensão provisória
Passou a ser oficializado
como expulsão definitiva. O bispo chegou, inclusive, a enviar uma carta ao então vigário Manoel Otaviano, com a determinação
de divulgação ampla para todos os fieis durante as pregações religiosas, comunicando
a decisão e justificando-a com afirmações injuriosas contra o atingido. O fato foi a gota D`água para o rompimento de Padre
Aristides com o dirigente maior da igreja católica paraibana, que ao classificar o ato como perseguição política rebelou-se.
Revoltado com o ato que lhe cassou os direitos eclesiásticos chegou a declarar: ¨Vou ensinar a Dom Adauto a ser bispo. Até
hoje não fui um Padre ruim . Vou justificar o ato que me suspendeu trazendo a moça para dentro de minha casa” !!
Em seguida reuniu
os amigos e lhes disse : “ Vou juntar -me com Maria José não condenem meu ato nem o ato da igreja. O bispo errou e me
fez errar ¨ E assim trocou as honras e glorias
eclesiásticas pela felicidade de um amor temporal. Contudo, até a condição de amante preferiu assumir as claras. O
certo é que mesmo passando a te rum relacionamento amoroso o seu prestigio popular em nada foi abalado. Enquanto o outro lado
contava vitória um novo trunfo ampliava ainda mais a sua aceitação, a partir
do apoio do ilustre paraibano Epitácio Pessoa, que também nutria uma forte antipatia para com a família Leite.
O momento era de testar
a popularidade e medir forças com o que se diziam donos da região. O Padre Aristides enfrenta o desafio da s urnas e é eleito
deputado estadual, destruindo da soberania da região , a família Leite. Iniciou uma acirrada campanha junto ao povo contra
os antigos dominantes que não se deram por vencidos, aumentando ainda mais as intrigas e embates. Vale lembrar o enfrentamento
registrado no dia 22 de agosto de 1922, quando seguidores de Felizardo Leite cercaram a casa do novo líder, tentando conter,
à bala, o seu potencial popular ameaçador.
Foram 26 horas de tiroteio,
obrigando o padre a fugir para a cidade de Souza. Naquela ocasião o Dr. Epitácio Pessoa que comandava o governo da Nação lhe
deu apoio integral e determinou que voltasse a assumir suas funções de chefe político em Piancó. Na mensagem endereçada ao líder perseguido declara ao comandante nacional: “
Se a policia for pouca o exercito ira garanti-lo.
Mesmo com a decisão de
Dom Adauto ser definitiva, Padre Aristides Não deixou de pregar e usar a batina nas horas oportunas de sua união com dona Quita, como era mais conhecida a companheira,
nasceram quatro filhos. Na Assembléia Legislativa continuou defendendo o interesse da população sempre enfático nas criticas
ao que combateu em sua área de atuação ate a morte em 1926.
O Trucidamento do Padre
Aristides nada teve haver com sua atuação pregressa e é atribuído ao seu próprio
temperamento revolucionário. A Chacina de Piancó foi um ato dos revoltosos da chamada Coluna Prestes .